Quando andava no liceu, na minha “primeira fase de estudante” – há imensos anos, portanto – tive como professor de Português um padre: o Padre Luís.
Tratava-se de um professor muito exigente e muito completo. Contava-nos muitas histórias que parecia não terem nada a ver com a matéria que estava a ser leccionada mas que produziam os seus efeitos (talvez não em todos os alunos – ou pelo menos não conscientemente – mas em mim produziam, e muitos). Uma dessas histórias podem lê-la, mutatis mutandis, no meu Blogue Eclectíssimo com o título A janela do Hospital… e foi lá publicada dentro de um determinado contexto à data (na verdade nunca escrevo por escrever, só o faço quando realmente algo me impele para tal. Hoje é mais um desses dias).
A história que hoje aqui trago, contada pelo Padre Luís, long time ago, acorreu à minha memória no início de uma aula em que o professor da cadeira que conta com cerca de cento e sessenta alunos inscritos olha para o anfiteatro e diz, convicto, dirigindo-se aos cerca de trinta alunos ali presentes, após cordial saudação: – Bom, parece que o meu relógio está um pouco adiantado!...
Posto o intróito, eis a história:
«Há muito, muito tempo numa aldeia do interior do país onde era praticada agricultura de subsistência e onde todos os habitantes eram proprietários de imensos vinhedos e produtores de saborosíssimo vinho, havia um padre que era muito querido pelos seus paroquianos precisamente porque, para combater o ócio, os ajudava nas tarefas agrícolas entre as quais se contava a vindima e a pisa do vinho.
»Ora, acontece que o padre era o único habitante daquela aldeia que não tinha vinho pelo que tinha que o comprar aos produtores. Claro que havia sempre quem lhe desse um garrafão de vinho como prémio pela sua bondade.
»Um dia um jovem lá da aldeia sugeriu que se todos dessem um garrafão de vinho ao Sr. Padre e o reunissem numa pipa, o padre ficaria contente e bem servido ao passo que os agricultores nada sentiriam nas suas abundantes adegas.
»A ideia foi aceite e aplaudida com entusiasmo por toda a aldeia. Reuniram-se em assembleia para combinarem a forma e o dia em que procederiam à recolha do vinho para o Sr. Padre. Se o dia não interessa aqui para a história já o método nos interessa o seu bastante.
»Seria colocada em cima de um carro de bois que percorreria todas as ruas, caminhos e carreiros da paróquia, uma pipa suficientemente grande para recolher um garrafão de vinho de cada produtor; na pipa seria colocado um enorme funil para que o vinho se não entornasse já que era um bem precioso; ao chegar à porta de cada um, o proprietário subiria à carroça, ergueria o seu garrafão e virá-lo-ia para o funil posto o que regressaria ao solo engrossando a comitiva que acompanharia o cortejo até ao final da “empreitada”.
»Chegado o grande dia a aldeia estava em festa. Tinha sido escolhida a melhor parelha de bois lá da aldeia e a carroça estava toda engalanada. Começou o cortejo. A carroça nem chega a arrancar e já o primeiro garrafão de vinho era despejado no interior da pipa. Era o garrafão do proprietário dos bois e da carroça, o maioral lá da aldeia.
»Só que o dito maioral, que já fizera despesa com os bois e com a carroça, pensou que acrescentar a essa despesa um garrafão de vinho era um “luxo” demasiado oneroso. Numa pipa de vinho tão grande um garrafão de água não iria notar-se. O funil era enorme, era só virar o garrafão com bastante vigor para o fundo do funil, o gorgolejar do líquido não tem cor… ninguém iria dar por nada!... Se bem o pensou melhor o fez, lá foi um garrafãozinho de água para o “mar” de vinho…
»O vizinho do lado que estudara pela mesma cartilha procedeu da mesma forma… e outro e mais outro e outro ainda; saltava-se um aqui, outro acolá – que eram raras pessoas honestas e gente de bem e consciência sempre limpa – e verdadeiro vinho (e do bom) corria pelas paredes do enorme funil o qual, sendo de metal, corria o risco de enferrujar-se após esta serventia; mas logo era retomado o vício e o mau pensamento que se repetia por ruas inteiras como que contaminados por um mesmo vírus da avareza que ia deixando as fontes mais pobres.
»Chegam os bois à abadia e com eles o vinho para o Sr. Padre. A euforia era agora grande pois que a turba se tinha avolumado à medida que cumpria a sua “piedosa missão”.
»Vem o Sr. Padre à porta certificar-se que alarido era aquele, quase desmaiando de emoção com tão generosa manifestação de solidariedade por parte dos seus paroquianos. Pedem-lhe um copo ao que ele correu a buscá-lo já com o gorgomilo a dar a dar com a sede que aquela celestial visão lhe provocara.
»Vem o padre, vem o copo e vem… a água!!!! A água, Deus do céu, da pipa de vinho saía água, tingida de vinho, é certo, mas não deixava de ser água!!!!!... Água!»
Tratava-se de um professor muito exigente e muito completo. Contava-nos muitas histórias que parecia não terem nada a ver com a matéria que estava a ser leccionada mas que produziam os seus efeitos (talvez não em todos os alunos – ou pelo menos não conscientemente – mas em mim produziam, e muitos). Uma dessas histórias podem lê-la, mutatis mutandis, no meu Blogue Eclectíssimo com o título A janela do Hospital… e foi lá publicada dentro de um determinado contexto à data (na verdade nunca escrevo por escrever, só o faço quando realmente algo me impele para tal. Hoje é mais um desses dias).
A história que hoje aqui trago, contada pelo Padre Luís, long time ago, acorreu à minha memória no início de uma aula em que o professor da cadeira que conta com cerca de cento e sessenta alunos inscritos olha para o anfiteatro e diz, convicto, dirigindo-se aos cerca de trinta alunos ali presentes, após cordial saudação: – Bom, parece que o meu relógio está um pouco adiantado!...
Posto o intróito, eis a história:
«Há muito, muito tempo numa aldeia do interior do país onde era praticada agricultura de subsistência e onde todos os habitantes eram proprietários de imensos vinhedos e produtores de saborosíssimo vinho, havia um padre que era muito querido pelos seus paroquianos precisamente porque, para combater o ócio, os ajudava nas tarefas agrícolas entre as quais se contava a vindima e a pisa do vinho.
»Ora, acontece que o padre era o único habitante daquela aldeia que não tinha vinho pelo que tinha que o comprar aos produtores. Claro que havia sempre quem lhe desse um garrafão de vinho como prémio pela sua bondade.
»Um dia um jovem lá da aldeia sugeriu que se todos dessem um garrafão de vinho ao Sr. Padre e o reunissem numa pipa, o padre ficaria contente e bem servido ao passo que os agricultores nada sentiriam nas suas abundantes adegas.
»A ideia foi aceite e aplaudida com entusiasmo por toda a aldeia. Reuniram-se em assembleia para combinarem a forma e o dia em que procederiam à recolha do vinho para o Sr. Padre. Se o dia não interessa aqui para a história já o método nos interessa o seu bastante.
»Seria colocada em cima de um carro de bois que percorreria todas as ruas, caminhos e carreiros da paróquia, uma pipa suficientemente grande para recolher um garrafão de vinho de cada produtor; na pipa seria colocado um enorme funil para que o vinho se não entornasse já que era um bem precioso; ao chegar à porta de cada um, o proprietário subiria à carroça, ergueria o seu garrafão e virá-lo-ia para o funil posto o que regressaria ao solo engrossando a comitiva que acompanharia o cortejo até ao final da “empreitada”.
»Chegado o grande dia a aldeia estava em festa. Tinha sido escolhida a melhor parelha de bois lá da aldeia e a carroça estava toda engalanada. Começou o cortejo. A carroça nem chega a arrancar e já o primeiro garrafão de vinho era despejado no interior da pipa. Era o garrafão do proprietário dos bois e da carroça, o maioral lá da aldeia.
»Só que o dito maioral, que já fizera despesa com os bois e com a carroça, pensou que acrescentar a essa despesa um garrafão de vinho era um “luxo” demasiado oneroso. Numa pipa de vinho tão grande um garrafão de água não iria notar-se. O funil era enorme, era só virar o garrafão com bastante vigor para o fundo do funil, o gorgolejar do líquido não tem cor… ninguém iria dar por nada!... Se bem o pensou melhor o fez, lá foi um garrafãozinho de água para o “mar” de vinho…
»O vizinho do lado que estudara pela mesma cartilha procedeu da mesma forma… e outro e mais outro e outro ainda; saltava-se um aqui, outro acolá – que eram raras pessoas honestas e gente de bem e consciência sempre limpa – e verdadeiro vinho (e do bom) corria pelas paredes do enorme funil o qual, sendo de metal, corria o risco de enferrujar-se após esta serventia; mas logo era retomado o vício e o mau pensamento que se repetia por ruas inteiras como que contaminados por um mesmo vírus da avareza que ia deixando as fontes mais pobres.
»Chegam os bois à abadia e com eles o vinho para o Sr. Padre. A euforia era agora grande pois que a turba se tinha avolumado à medida que cumpria a sua “piedosa missão”.
»Vem o Sr. Padre à porta certificar-se que alarido era aquele, quase desmaiando de emoção com tão generosa manifestação de solidariedade por parte dos seus paroquianos. Pedem-lhe um copo ao que ele correu a buscá-lo já com o gorgomilo a dar a dar com a sede que aquela celestial visão lhe provocara.
»Vem o padre, vem o copo e vem… a água!!!! A água, Deus do céu, da pipa de vinho saía água, tingida de vinho, é certo, mas não deixava de ser água!!!!!... Água!»
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