sábado, 24 de janeiro de 2009

USUCAPIÃO! "O" ou "A"?!!

Intrigado, na minha ignorância, com a atribuição do género feminino ao conceito Usucapião no nosso Código Civil (art.1288º e seguintes), que já ficara, como a pulga atrás da orelha, a moer-me a consciência numa aula de Introdução ao Direito, fui imediatamente à procura de respostas em locais apropriados.

Comecei pelo meu velhinho Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora (mais velhinho do que seguramente 99,9% dos alunos da FDUP - 5ª edição, de 1979), o qual classifica o termo Usucapião como “substantivo masculino”; já no exemplar da minha filha, na moderna edição da mesma editora, lhe é atribuída a classificação de “nome feminino” (evolução de “substantivo” para “nome”, influência da nova TLEBS - entretanto congelada para revisão); avancei de seguida para a Diciopédia X e esta também lhe atribui o género feminino (ainda que na terminologia antiga: substantivo); procurei o desempate naquele que tem sido nos últimos tempos um bom tira-teimas nestas matérias: O Ciberdúvidas da Língua Portuguesa. Aqui encontrei um bom e esclarecedor artigo que passo a transcrever na íntegra:

[Pergunta]

Deve dizer-se «o usucapião» ou «a usucapião»?

Sei que esta polémica tem décadas e que até o dr. Salazar se ocupou dela, sugerindo mesmo a «sua» solução.

Qual é o género correcto?

António Barreto :: sociólogo e comentador :: Lisboa, Portugal


[Resposta]

Em 1962, Paulo Merêa publicou um artigo em que criticava a atribuição do género masculino à palavra usucapião feita no Vocabulário Ortográfico da Academia das Ciências de 1940 e num anteprojecto parcial do Código Civil (v. Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, vol. XXXVIII, págs. 244 e segs.).

Os argumentos de Merêa a favor da atribuição do género feminino à palavra eram:

a) que em latim "usucapio" era do género feminino;

b) que as palavras que nas línguas românicas representam "usucapio" são do género feminino;

c) que os juristas do século XIX atribuíam o mesmo género feminino à palavra;

d) que as palavras análogas (ocasião, religião, rebelião, etc.), derivadas de femininos latinos, femininos são.

Merêa citava como atribuindo o género feminino à palavra os dicionários de Morais, Torrinha e Fernando J. da Silva. Atribuindo-lhe o género masculino, citava o dicionário de Cândido de Figueiredo e o Dicionário Contemporâneo.

Notava Merêa que no Brasil era frequente, de há muito, dar usucapião por masculino – embora também houvesse quem usasse a palavra como feminina.

Antunes Varela, Ministro da Justiça, e que mantinha com Merêa contactos sobre problemas linguísticos do projecto do Código Civil, submeteu ao juízo de Salazar o problema consistente em saber se o Código deveria dar usucapião por masculino, como o anteprojecto fazia, ou se devia seguir o conselho de Merêa. Achava Antunes Varela que o problema era também político por, alegadamente, o Vocabulário de 1947 aprovado pelas academias portuguesa e brasileira dar a palavra por masculina.

Salazar respondeu não ver maneira de ignorar o Vocabulário, por este só poder ser alterado pelas duas academias (a carta de Varela a Salazar e a deste a Varela foram publicadas por Varela na obra colectiva "A Feitura das Leis", vol. I, INA, 1986).

A verdade, porém, era que o Vocabulário não atribuía nenhum género à palavra e, assim, Varela, no texto definitivo do Código Civil de 1966 (hoje vigente), acabou por dar a palavra por feminina (v. sobretudo artigos 1288 e seguintes).

A generalidade dos juristas segue o Código Civil.

Os dicionários parecem, na maioria, atribuir o género feminino à palavra. É o caso do Vocabulário de Gonçalves Viana, do Aurélio, do Lello Universal e do Porto Editora, para além dos citados por Merêa. Em sentido oposto, além dos citados por Merêa, é de referir o Grande Dicionário da Língua Portuguesa.

Rui Pinto Duarte :: 01/06/1997

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