Manuel, dizia Jesus que nem só de pão vive o Homem (Mateus 4, 4) e eu aproveito para lembrar que nem só de Direito vive o Jurista. :)
Quanto à questão levantada pela Inês, não importa muito saber se elas cantam desassombradamente ou de outra forma qualquer. Aquelas ceifeiras que Pessoa descreveu já se não encontram. Acabaram. As ceifeiras do passado, retratadas no quadro da metade superior da imagem já não existem mais, foram substituídas pelas máquinas ceifeiras. Mas existiam à época em que Pessoa escreveu; e ele utilizou-as para descrever a felicidade inconsciente da ignorância que as caracterizava, em contraponto com a dor de pensar, o peso da ciência, os efeitos do conhecimento que tanto o atormentavam. (melhores explicações encontram-nas em qualquer manual de Português do 12º ano, por isso não vale a pena estar para aqui a enterrar-me, não foi para isso que coloquei a imagem).
No fundo essas duas ideias antagónicas traduzem outras tantas passagens bíblicas:
a primeira ideia, direi eu, encontra-se no Sermão da Montanha, em que Jesus, dirigindo-se à multidão, lhes diz: “Felizes os pobres em espírito, porque deles é o Reino do Céu” (Mateus 5, 3);
a segunda, a dor de pensar, o peso do conhecimento, da ciência, parece-me traduzir a seguinte expressão de Eclesiastes: “Porque na muita sabedoria há muita arrelia, e o que aumenta o conhecimento, aumenta o sofrimento/a dor” (EC 1, 18).
Portanto, a minha curiosidade reside na eventual forma como o grande Mestre da palavra (Fernando Pessoa) poderia retratar a realidade das novas ceifeiras, aquelas que estão representadas na metade inferior da imagem que publiquei. Que duvido mesmo que cantem, estas!...
Resumindo e concluíndo, como eu gosto muito de me dar à maluqueira de vez em quando, lanço estas ideias esquisitas para o ar. Reflexões sem sentido. Para não cansar muito… nem doer por aí além…
Divirtam-se… porque o melhor (já sabem) é aquele que se diverte mais! :)
achas que hoje em dia já não existe essa ignorância feliz? eu acho que ainda existe, mas mais devido à resignação que a outra coisa. não me custa nada imaginar alguém a lamentar-se que "a vida está difícil", e a encolher de seguida os ombros - "então e o nosso Benfica, como vai?" já não deve ser essa ignorância total que Pessoa invejava, mas será talvez uma ignorância propositada - sentir os problemas, mas não querer pensar neles. e agora pergunto - e as ceifeiras de Pessoa viveriam assim tão felizes na sua ignorância? não teriam também elas os seus problemas - cuidar do pão, as dificuldades do trabalho, problemas familiares, o fantasma da pobreza - e que continuam a ser os problemas que ainda hoje fazem as pessoas dizer que "a vida está difícil"?
Resposta à primeira pergunta: não só acho como tenho a certeza. Como disse essas ceifeiras em que Pessoa se inspirou já não existem e com elas findou a sua inocência e a felicidade inconsciente.
Naquele tempo as lides não eram sofrimento, por mais penosas que fossem (que o eram certamente). As lides (do campo ou da casa) não eram uma obrigação, eram antes uma necessidade básica como respirar, comer, beber e… amar! E viver feliz não era ignorância, era sim uma consequência natural, inconsciente, da atitude desinteressada, despojada de qualquer interesse material, da vida em comunhão plena com a natureza. Viver feliz era, pois, tão natural como a sede. :)
Estás muito perto da verdade quando dizes que hoje impera a resignação. É isso mesmo, resignação, a consciência de que não vale a pena fazer nada porque será inglório qualquer esforço. E se a fome é já suficientemente dolorosa mesmo quando não se faz nada, ela agrava-se quando despendemos energias, esforço, trabalho, e fazer algo, nem que seja para tentar contrariar a “maldita sorte”, implica esforço. Sendo inglório, é melhor estar quieto, o que numa palavra significa: Resignação. Ora daí resulta felicidade?! Não sei! A existir felicidade ela é inconsciente?! Não sei! É inocente?! Duvido!
Questionas, e muito bem, se não serão comuns os problemas de ontem e os de hoje: «cuidar do pão, as dificuldades do trabalho, problemas familiares, o fantasma da pobreza». Sem dúvida. Mas ontem só a mãe natureza, caprichosa por vezes, se lembrava de reduzir a “ração” aos seus filhos (muitas vezes até mínimos incomportáveis, é certo), mas hoje são os irmãos que roubam o pão aos irmãos. Ontem os problemas que afectavam um afectavam toda a comunidade. Ninguém morria de fome enquanto existisse um grão de trigo num celeiro qualquer. Hoje deixa-se morrer um irmão de fome e queima-se comida às toneladas. Ontem partilhavam-se as alegrias e as tristezas. Hoje ri-se da tristeza do irmão e chora-se (de inveja) pela sua alegria.
Acredita, pois, que as ceifeiras de Pessoa eram de facto felizes! Eu sei porque nasci lá, e cresci lá, no meio delas. Estas novas ceifeiras não são felizes. Eu sei porque as vejo todos os dias de manhã, quando recolhem da “lide”!
5 comentários:
não sei até que ponto a ceifeira ainda cantaria desassombradamente
no me gusta esto
Manuel, dizia Jesus que nem só de pão vive o Homem (Mateus 4, 4) e eu aproveito para lembrar que nem só de Direito vive o Jurista. :)
Quanto à questão levantada pela Inês, não importa muito saber se elas cantam desassombradamente ou de outra forma qualquer. Aquelas ceifeiras que Pessoa descreveu já se não encontram. Acabaram. As ceifeiras do passado, retratadas no quadro da metade superior da imagem já não existem mais, foram substituídas pelas máquinas ceifeiras. Mas existiam à época em que Pessoa escreveu; e ele utilizou-as para descrever a felicidade inconsciente da ignorância que as caracterizava, em contraponto com a dor de pensar, o peso da ciência, os efeitos do conhecimento que tanto o atormentavam.
(melhores explicações encontram-nas em qualquer manual de Português do 12º ano, por isso não vale a pena estar para aqui a enterrar-me, não foi para isso que coloquei a imagem).
No fundo essas duas ideias antagónicas traduzem outras tantas passagens bíblicas:
a primeira ideia, direi eu, encontra-se no Sermão da Montanha, em que Jesus, dirigindo-se à multidão, lhes diz: “Felizes os pobres em espírito, porque deles é o Reino do Céu” (Mateus 5, 3);
a segunda, a dor de pensar, o peso do conhecimento, da ciência, parece-me traduzir a seguinte expressão de Eclesiastes: “Porque na muita sabedoria há muita arrelia, e o que aumenta o conhecimento, aumenta o sofrimento/a dor” (EC 1, 18).
Portanto, a minha curiosidade reside na eventual forma como o grande Mestre da palavra (Fernando Pessoa) poderia retratar a realidade das novas ceifeiras, aquelas que estão representadas na metade inferior da imagem que publiquei. Que duvido mesmo que cantem, estas!...
Resumindo e concluíndo, como eu gosto muito de me dar à maluqueira de vez em quando, lanço estas ideias esquisitas para o ar. Reflexões sem sentido. Para não cansar muito… nem doer por aí além…
Divirtam-se… porque o melhor (já sabem) é aquele que se diverte mais! :)
achas que hoje em dia já não existe essa ignorância feliz? eu acho que ainda existe, mas mais devido à resignação que a outra coisa. não me custa nada imaginar alguém a lamentar-se que "a vida está difícil", e a encolher de seguida os ombros - "então e o nosso Benfica, como vai?"
já não deve ser essa ignorância total que Pessoa invejava, mas será talvez uma ignorância propositada - sentir os problemas, mas não querer pensar neles.
e agora pergunto - e as ceifeiras de Pessoa viveriam assim tão felizes na sua ignorância? não teriam também elas os seus problemas - cuidar do pão, as dificuldades do trabalho, problemas familiares, o fantasma da pobreza - e que continuam a ser os problemas que ainda hoje fazem as pessoas dizer que "a vida está difícil"?
Resposta à primeira pergunta: não só acho como tenho a certeza. Como disse essas ceifeiras em que Pessoa se inspirou já não existem e com elas findou a sua inocência e a felicidade inconsciente.
Naquele tempo as lides não eram sofrimento, por mais penosas que fossem (que o eram certamente). As lides (do campo ou da casa) não eram uma obrigação, eram antes uma necessidade básica como respirar, comer, beber e… amar! E viver feliz não era ignorância, era sim uma consequência natural, inconsciente, da atitude desinteressada, despojada de qualquer interesse material, da vida em comunhão plena com a natureza. Viver feliz era, pois, tão natural como a sede. :)
Estás muito perto da verdade quando dizes que hoje impera a resignação. É isso mesmo, resignação, a consciência de que não vale a pena fazer nada porque será inglório qualquer esforço. E se a fome é já suficientemente dolorosa mesmo quando não se faz nada, ela agrava-se quando despendemos energias, esforço, trabalho, e fazer algo, nem que seja para tentar contrariar a “maldita sorte”, implica esforço. Sendo inglório, é melhor estar quieto, o que numa palavra significa: Resignação. Ora daí resulta felicidade?! Não sei! A existir felicidade ela é inconsciente?! Não sei! É inocente?! Duvido!
Questionas, e muito bem, se não serão comuns os problemas de ontem e os de hoje: «cuidar do pão, as dificuldades do trabalho, problemas familiares, o fantasma da pobreza». Sem dúvida. Mas ontem só a mãe natureza, caprichosa por vezes, se lembrava de reduzir a “ração” aos seus filhos (muitas vezes até mínimos incomportáveis, é certo), mas hoje são os irmãos que roubam o pão aos irmãos. Ontem os problemas que afectavam um afectavam toda a comunidade. Ninguém morria de fome enquanto existisse um grão de trigo num celeiro qualquer. Hoje deixa-se morrer um irmão de fome e queima-se comida às toneladas. Ontem partilhavam-se as alegrias e as tristezas. Hoje ri-se da tristeza do irmão e chora-se (de inveja) pela sua alegria.
Acredita, pois, que as ceifeiras de Pessoa eram de facto felizes! Eu sei porque nasci lá, e cresci lá, no meio delas. Estas novas ceifeiras não são felizes. Eu sei porque as vejo todos os dias de manhã, quando recolhem da “lide”!
Enviar um comentário