domingo, 13 de junho de 2010

O Monge e o Escorpião

Certo dia um Monge tibetano, que passeava nas margens do Rio Bramaputra, reparou num escorpião que caíra à água adivinhando-se-lhe como certa a morte por afogamento nas águas profundas e gélidas do rio. Com pena da pobre criatura, o Monge pegou nela e, com cautela, com toda a gentileza, colocou-a em terra, devolvendo-a ao seu habitat. Enquanto procede ao salvamento, o escorpião afinfa uma valente ferroada no santo homem. E foi ela de tal forma violenta que o homem solta um enorme grito, tal a intensidade da dor.

Não muito longe dali passava um jovem que observou a cena desde o seu começo. Espantado, deteve-se para ver o desfecho, curioso.

Transido de dor, após a ferroada, o Monge dirige-se ao escorpião nestes termos: – Eu quis salvar-te, e salvei-te. É esta a minha recompensa? Apesar de tudo, cumpri o meu dever.

Ditas estas palavras o homem pôs-se a seguir o animal com o olhar, e qual não é o seu espanto quando o vê dirigir-se de novo para o curso do rio, caindo e afundando-se nele pela segunda vez.

Uns quantos metros atrás o jovem observador continuava a assistir a tudo, sem se mover ou proferir uma palavra. Observava, apenas.

Apesar de ainda não estar totalmente recomposto da dor da ferroada, o Monge não resistiu ao impulso e foi uma vez mais em socorro do escorpião ao mesmo tempo que lhe dirigia as seguintes palavras: – Ah, pobre criatura, novamente o sofrimento te apoquenta. Tenho pena de ti. Vou salvar-te uma vez mais!

Acto contínuo, pegou no escorpião colocando-o em terra firme e segura. Escusado seria dizer que, mais uma vez, o animal ferrou o santo homem que acabava de o salvar da morte certa pela segunda vez consecutiva em poucos minutos. E desta feita a ferroada foi ainda mais violenta do que a primeira. O homem gritou bem alto com tão tremenda dor.

Não se contendo mais, o jovem observador abandona o seu posto de vigia e dirige-se ao local onde os estranhos acontecimentos se desenrolavam, entabulando com o Monge o seguinte diálogo:

– Você é um tolo! Ou está louco?! Porque fez isso? Da primeira vez, errou, porque sabia que com toda a certeza seria mordido pelo bicho, e da segunda, repetiu o mesmo erro. Porquê?!

– Meu amigo, o que posso fazer? A minha natureza é amar, a minha natureza é salvar. A natureza do escorpião é odiar, a natureza do escorpião é ferroar. Eu tenho de seguir a minha própria natureza e o escorpião tem de seguir a sua própria natureza. Não permitirei que a natureza dele altere a minha natureza. Se ele cair à água outra vez, eu tirá-lo-ei, não importando quantas vezes ele venha a cair. Serei picado, chorarei, lamentarei; mas não negarei a minha natureza, que é amar, salvar e proteger os outros.

Ao ouvir estas palavras o jovem ajoelha-se diante do Monge, toca-lhe os seus pés e diz-lhe:

– Senhor! O senhor é o meu Mestre, o meu Guru. Eu tenho procurado, ansiado por um Guru. Hoje, encontro no senhor o meu verdadeiro Guru. E como sou seu discípulo, de agora em diante, se o escorpião cair ao rio, serei eu quem vai salvá-lo e colocá-lo de volta em terra.

(Ditas aquelas palavras, o jovem discípulo, prosternado, canta uma oração em frente do seu Mestre.)

(Enquanto o jovem cantava, o Monge escutava-o e seguia o escorpião com os seus olhitos atentos. O Guru, agora sentado na margem, observa a cena. Ao cabo de alguns minutos, o escorpião cai outra vez ao rio. O discípulo apressa-se a ir em seu socorro, como prometera ao seu Mestre. Lança-se ao rio, pega no escorpião e põe-o em terra firme, mas o escorpião não o fere. Ao contrário do que havia feito com o velho Monge, por duas vezes, ao jovem discípulo o escorpião não deu uma ferroada.)

– Como pode ser isto, Mestre? Eu não fui ferido. Pensei que eu também seria picado pelo escorpião. O senhor foi ferido impiedosamente duas vezes. Eu não entendo!

– Meu bom rapaz, tu não entendes? Tenho que te dizer? Tu acreditarás em mim?

– Por favor, por favor, diga-me. Eu acreditarei no senhor, Mestre.

– O escorpião também tem uma alma, e essa alma disse-lhe que, se ele te picasse, ao invés de colocá-lo em terra, tu o matarias imediatamente. O escorpião sabia que tu não aceitarias aquilo, que não irias tolerar a sua ingratidão. De ti, o escorpião não obteve qualquer garantia de segurança. O escorpião não te picou porque sentiu isso. No meu caso, a alma do escorpião sabia que eu jamais o mataria, independente de quantas vezes ele me picasse; eu apenas pegaria nele e o colocaria em terra, para sua segurança.

(No dia-a-dia, as pessoas também lutam, discutem e ameaçam outras apenas quando percebem que os seus opositores são fracos ou não querem lutar. Mas, caso vejam que alguém é mais forte do que elas, então ficam caladas.)

CONCLUSÃO: Pauta-te sempre por bons valores e não permitas que a natureza dos outros altere a tua natureza!

1 comentário:

Anónimo disse...

Adorei :)

Belíssima conclusão...Que dizer mais, o texto diz tudo :)