domingo, 10 de abril de 2011

Bulldozers (ultra)liberais abastecem os seus tanques e perfilam-se para arrasar (definitivamente) o Estado Social

O título diz tudo e mais não tinha necessidade de acrescentar (até porque o tempo é de economia).

Mas vou usar de uma metáfora (ou imagem) para ilustrar o problema:

Enquanto se deslocava de casa para o atelier um conceituado pintor sofreu uma queda da sua bicicleta após ter sido apanhado por uma violenta tempestade.

O veículo utilizado não era o mais adequado para resistir às fortes rajadas de vento e chuva intensa, além de que tinha ainda que suportar as violentas projecções de água e gravilha acumuladas na estrada provocadas pelos veículos pesados com que se cruzava, umas fortuitas mas a maioria voluntárias e deliberadas, puras manifestações de crueldade dos condutores desses veículos com o objectivo claro e único de derrubar o desprotegido e incauto ciclista.

O facto é que, apesar da temeridade e da estóica resistência, o talentoso artista acabou por se estatelar no asfalto, impotente face aos esforços macabros dos pançudos que se divertiam com a sua desgraça, e o resultado foi que acabou no hospital com escoriações em vastas áreas do corpo e os dois braços partidos.

Vendo-se assim desprotegido e abandonado pela providência, não foi difícil deixar-se convencer pelos arautos da desgraça de que era «preferível amputar os braços e aprender a pintar com a boca ou com os pés do que persistir em pintar com os braços defeituosos; que nunca mais voltaria a pintar como dantes; que iriam rir-se do seu trabalho e sentir pena dele, etc., etc., etc., blá-blá-blá, blá-blá-blá».

E tanto lhe martelaram os miolos que às páginas tantas começou o próprio artista a implorar para que lhe amputassem os dois braços. E o desejo foi-lhe concedido.

Passaram-se os anos e o triste pintor apercebeu-se de que todo o seu corpo recuperara a vitalidade primitiva, o seu potencial criativo e criador aumentara, fruto da maturidade, mas a técnica que os seus braços lhe facultaram no passado não os pôde nunca mais superar pincelando com a boca ou com os pés. Vivia agora da venda de umas brochuras ilustradas e postais nas quadras festivas como a Páscoa e o Natal, mas o seu nome passou ser pronunciado baixinho e com pena e nanja com a reverência do passado.

Desgostoso, quis os seus braços de volta, mas eles nunca mais voltaram. Não morreu de fome! É verdade. Sobreviveu! Sim, também é verdade. Mas o mais importante morrera e não mais conseguiu de volta: a dignidade!

A sua dignidade foi amputada junto com os braços pela razão simples de que se deixou enganar.

Ora, neste momento Portugal e os portugueses estão como o pintor na cama do hospital, só que não a implorar que lhes amputem os braços mas para que arrasem perpétua, irreversível e definitivamente o Estado Social.

O problema é que enquanto estivermos acamados no hospital os gigantes, além das meladas e doces palavras, ainda nos trazem frutos frescos à boca: figos, cerejas, bananas, pêssegos, maçãs, de tudo um pouco. O problema vai ser quando o médico nos der alta e verificarmos que, sendo nós pigmeus de metro e meio e agora ainda por cima sem braços, não competimos de igual para igual ou, dito de outra forma, com igualdade de armas, na apanha dos frutos, no topo das árvores, com os gigantes de três, quatro, cinto, seis e mais metros.

Uma verdade (pelo menos uma) eles nos dizem: os frutos estão lá no alto disponíveis para todos nós. E, verdade seja dita ainda, o gigante não têm culpa de eu ter nascido pigmeu.

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