Quando pensamos que os pequenotes, as crianças, nomeadamente os nossos filhos, só dão importância ao que lhes diz diretamente respeito, eis que acontece algo de verdadeiramente extraordinário que nos prova exatamente o contrário.
O Leonardo tem quatro anos, é o meu filho mais novo, chega a casa no autocarro da escola por volta das seis e meia da tarde, vai direto à cozinha, abre o frigorífico e saca um iogurte e vai para a sala comê-lo e ver o canal Panda. A irmã, a Leonor, de 5 anos, antecede-o na rotina. A mais velha, a Liliana, faz as honras da casa, vai fazer 14 anos, é uma mulher grande ao pé deles e tem uma paciência de Job com os irmãos (e tem teste no dia seguinte). Vá lá, Liliana, liga a televisão!
Uma vez refastelado no sofá, perna traçada como os homens grandes, sem retirar o olhar da televisão, o rapazola mira-me pelo canto do olho e diz: «Ó pai, tiveste teste, hoje?!».
Isto passou-se na segunda-feira, e de facto tive o primeiro exame de final de ano, de Direito das Obrigações, nesse dia logo pela manhã, mas como é que o puto sabia, ou, vá lá, o que é que terá despertado a curiosidade dele?! Isso quis eu saber, por isso lhe perguntei: «Tive, filho, tive teste hoje, mas porque é que perguntas? Como é que sabes?!»
A resposta que me deu não era bem a que eu esperava ouvir. É que, nestas fazes de exames, roubo-lhes um pouco tempo e de atenção que necessariamente tenho que atribuir aos livros. É injusto, eu sei, mas nunca sabemos quando fazemos o melhor. Desistir do curso agora seria a atitude mais ajuizada? Não sei, nem nunca saberei. É como tudo na vida: se as coisas correrem bem, foi uma opção acertada, se correrem mal, fui egoísta ao insistir em fazer um curso tão exigente com três filhos menores.
Portanto, a resposta que eu esperava era dentro desse contexto, que eu na última semana dera mais atenção aos livros do que a eles. Mas não. A resposta foi estranha e dita de uma forma tão desinteressada, assim como quem não quer a coisa, como se fosse a coisa mais óbvia do mundo, que me desconcertou. Como é possível uma criança de quatro anos ter semelhante perceção?
Diz ele: «Atão! Tens a sequetária toda arrumadinha!».
Ah! Era isso, então! Lá está, onde é que eu ia imaginar que os miúdos topassem a minha mesa de trabalho (enorme), carregada de papelada completamente desalinhada – códigos e mais códigos e livros de doutrina às carradas, misturados com facturas da luz e da água e do gás e da internet e do condomínio e recibos da farmácia e do dentista e papelinhos da escola pedindo autorização para os mais novos irem em visitas de estudo para aqui e para ali mais outros tantos a pedir dinheiro para gelados e para as festas de finalistas e dos santos populares e as rifas para ajudar à festa que não tive coragem nem vagar para vender e que tenho que pagar integralmente do meu bolso e a autorização para a Leonor ir a Lisboa de avião na festa de finalistas (essa é que me custou e andou ali pela mesa mais de um mês, até não poder atrasar mais) e fotografias deles injustamente mal arrumadas que me vão servindo de marcadores de livros e copos vazios e lenços de papel e jornais e fios e cabos do PC mais carregadores de telemóvel e post-its e pisa-papéis que os filhos me vão oferecendo no dia do pai feitos por eles na escola e partituras de música novas algumas e velhas de cem anos outras e telefone e telemóveis e auscultadores e dvd’s e arquivadores e pen-drives e agrafadores e fura-papéis e clips e alicates e máquina de furar/encadernar e capas e argolas de encadernar e brinquedos e balões e panos de limpar os óculos e não sei mais o quê... porque hoje a mesa está limpa e arrumada (não tanto já como estava no momento do episódio) e o aviso do Leonardo tem-me obrigado a ter mais cuidado com os objetos que trago para a mesa –, como é que eu ia imaginar, dizia, que os miúdos reparassem que a mesa agora estava limpa e que isso significasse que o pai fizera um teste?!
É que o ritual é mesmo esse: chegar a casa, depois de um exame feito, arrumar os livros daquela Cadeira, limpar a mesa de trabalho e colocar em pilha os materiais necessários para a preparação do exame seguinte!
Este é o terceiro ano na FDUP, é o sexto semestre ou sexto ciclo de exames, o Leonardo nasceu com o pai a estudar, aprendeu a falar e a contar e a andar de bicicleta sozinho sem as rodas laterais e sem a ajuda de ninguém, portanto é normal que tenha conseguido também sozinho perceber que a secretária do pai subitamente arrumada é sinónimo de teste (o que quer que isso represente na cabecinha dele)!
Este texto é para eles, para os meus filhos, porque tem uma mensagem muito importante: a de que também os filhos observam com atenção e se preocupam com os pais!
O Leonardo tem quatro anos, é o meu filho mais novo, chega a casa no autocarro da escola por volta das seis e meia da tarde, vai direto à cozinha, abre o frigorífico e saca um iogurte e vai para a sala comê-lo e ver o canal Panda. A irmã, a Leonor, de 5 anos, antecede-o na rotina. A mais velha, a Liliana, faz as honras da casa, vai fazer 14 anos, é uma mulher grande ao pé deles e tem uma paciência de Job com os irmãos (e tem teste no dia seguinte). Vá lá, Liliana, liga a televisão!
Uma vez refastelado no sofá, perna traçada como os homens grandes, sem retirar o olhar da televisão, o rapazola mira-me pelo canto do olho e diz: «Ó pai, tiveste teste, hoje?!».
Isto passou-se na segunda-feira, e de facto tive o primeiro exame de final de ano, de Direito das Obrigações, nesse dia logo pela manhã, mas como é que o puto sabia, ou, vá lá, o que é que terá despertado a curiosidade dele?! Isso quis eu saber, por isso lhe perguntei: «Tive, filho, tive teste hoje, mas porque é que perguntas? Como é que sabes?!»
A resposta que me deu não era bem a que eu esperava ouvir. É que, nestas fazes de exames, roubo-lhes um pouco tempo e de atenção que necessariamente tenho que atribuir aos livros. É injusto, eu sei, mas nunca sabemos quando fazemos o melhor. Desistir do curso agora seria a atitude mais ajuizada? Não sei, nem nunca saberei. É como tudo na vida: se as coisas correrem bem, foi uma opção acertada, se correrem mal, fui egoísta ao insistir em fazer um curso tão exigente com três filhos menores.
Portanto, a resposta que eu esperava era dentro desse contexto, que eu na última semana dera mais atenção aos livros do que a eles. Mas não. A resposta foi estranha e dita de uma forma tão desinteressada, assim como quem não quer a coisa, como se fosse a coisa mais óbvia do mundo, que me desconcertou. Como é possível uma criança de quatro anos ter semelhante perceção?
Diz ele: «Atão! Tens a sequetária toda arrumadinha!».
Ah! Era isso, então! Lá está, onde é que eu ia imaginar que os miúdos topassem a minha mesa de trabalho (enorme), carregada de papelada completamente desalinhada – códigos e mais códigos e livros de doutrina às carradas, misturados com facturas da luz e da água e do gás e da internet e do condomínio e recibos da farmácia e do dentista e papelinhos da escola pedindo autorização para os mais novos irem em visitas de estudo para aqui e para ali mais outros tantos a pedir dinheiro para gelados e para as festas de finalistas e dos santos populares e as rifas para ajudar à festa que não tive coragem nem vagar para vender e que tenho que pagar integralmente do meu bolso e a autorização para a Leonor ir a Lisboa de avião na festa de finalistas (essa é que me custou e andou ali pela mesa mais de um mês, até não poder atrasar mais) e fotografias deles injustamente mal arrumadas que me vão servindo de marcadores de livros e copos vazios e lenços de papel e jornais e fios e cabos do PC mais carregadores de telemóvel e post-its e pisa-papéis que os filhos me vão oferecendo no dia do pai feitos por eles na escola e partituras de música novas algumas e velhas de cem anos outras e telefone e telemóveis e auscultadores e dvd’s e arquivadores e pen-drives e agrafadores e fura-papéis e clips e alicates e máquina de furar/encadernar e capas e argolas de encadernar e brinquedos e balões e panos de limpar os óculos e não sei mais o quê... porque hoje a mesa está limpa e arrumada (não tanto já como estava no momento do episódio) e o aviso do Leonardo tem-me obrigado a ter mais cuidado com os objetos que trago para a mesa –, como é que eu ia imaginar, dizia, que os miúdos reparassem que a mesa agora estava limpa e que isso significasse que o pai fizera um teste?!
É que o ritual é mesmo esse: chegar a casa, depois de um exame feito, arrumar os livros daquela Cadeira, limpar a mesa de trabalho e colocar em pilha os materiais necessários para a preparação do exame seguinte!
Este é o terceiro ano na FDUP, é o sexto semestre ou sexto ciclo de exames, o Leonardo nasceu com o pai a estudar, aprendeu a falar e a contar e a andar de bicicleta sozinho sem as rodas laterais e sem a ajuda de ninguém, portanto é normal que tenha conseguido também sozinho perceber que a secretária do pai subitamente arrumada é sinónimo de teste (o que quer que isso represente na cabecinha dele)!
Este texto é para eles, para os meus filhos, porque tem uma mensagem muito importante: a de que também os filhos observam com atenção e se preocupam com os pais!
No dia 1 de Junho de 2011, Dia Mundial da Criança.
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