8. O Princípio da Negociação Criativa
Contava-me um dia um pai, simples operário de uma fábrica de têxteis, que difícil fora, ao princípio, chegar a casa cansado do dia e ter ainda que brincar com o filho de 4 anos, que parece que reservava toda a sua energia para essa altura. A única coisa por que ele ansiava nesse momento era deitar-se em cima da cama e ler a Bola ou outro qualquer outro jornal inofensivo. Mas enfim, também compreendia que o filho precisava da sua companhia e que este era para ele o momento mais alto do dia. Até que um dia, teve uma ideia. Convidou o garoto de quatro anos a deitar-se ao lado dele na cama e deu-lhe, para fingir que lia, uma gazeta mais pequena, enquanto ele lia a tão desejada Bola. Depois de assim descansarem, ia então brincar com o filho.
O que este pai fez, em silêncio, e despretensiosamente, foi negociar criativamente com o filho. O pai reconheceu a necessidade do filho, mas reconheceu também a sua própria necessidade. Em vez de tomar uma decisão, em que um vencia e outro ficava vencido, em vez de escolher uma saída que satisfazia a necessidade do filho mas abafava a sua e vice-versa, ultrapassou o quadro em que ambos se moviam e encontrou a solução criativa que satisfazia os dois. É a win-win relationship de que falam os teóricos ingleses da negociação, ou la relation donant-donant a que se referem os franceses.
Cheio está o dia da criança, na escola, de conflitos de necessidades com os outros colegas ou com a professora. A arte de educar na autonomia consiste no contínuo esforço para promover, não soluções de compromisso em que todos perdem um pouco, mas alternativas de superação em que todos ganham tudo.
Esta operação, que consiste em reconhecer primeiro a sua própria necessidade, saltar depois para o ponto de vista do outro e reconhecer também as suas exigências, e finalmente alçar-se para um terceiro plano, para encontrar uma solução para ambos, é uma operação formal que só lá para os 13 ou 14 anos a criança consegue fazer. Até essa altura, a criança ou está presa ao seu próprio ponto de vista ou, quando muito, consegue ver o ponto de vista do outro. Só o adolescente começa a ser capaz de se levantar a um terceiro plano. É, portanto, o professor que tem de conduzir esta difícil negociação, só ele pode iniciar e manter esta atitude de transcendência dos próprios limites, só ele pode educar, porque é verdadeiramente de educar que estamos a falar. Educar a viver com a sua autonomia em confronto com a autonomia dos outros.
Fonte: CUNHA, Pedro D'Orey da - Ética e Educação, Universidade Católica Editora, Lisboa, 1996, pp. 66-67
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