quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

António Menezes Cordeiro - Do abuso do direito: estado das questões e perspectivas

António Menezes Cordeiro - Do abuso do direito: estado das questões e perspectivas *

Pelo Prof. Doutor António Menezes Cordeiro


SUMÁRIO: I. Introdução: 1. Actualidade do tema; 2. Os limites da previsão legal de abuso; 3. O recurso à Ciência do Direito; posturas mental e metodológica. II. A evolução histórica: 4. Aemulatio, exceptio doli e temeritas processual ; 5. A tradição francesa; 6. A tradição alemã; 7. A recepção em Portugal. III. A concretização judicial: 8. As fases da implantação jurisprudencial; 9. Comportamentos típicos abusivos; venire; 10. Inalegabilidade; 11. Suppressio; 12. Tu quoque; 13. Desequilíbrio.


IV. As doutrinas do abuso do direito: 14. Generalidades: as teorias; 15. As terorias internas; a) Versões comuns; 16. Segue; b) o axiologismo subjacente; 17. As teorias externas; 18. Posição adoptada; a disfuncionalidade intra-subjectiva e o papel do sistema. V. Aspectos do regime e tendências: 19. O abuso como concretização da boa fé; 20. Âmbito, conhecimento oficioso, objectividade e consequências; 21. Balanço e tendências recentes.

1. INTRODUÇÃO (1)

1. Actualidade do tema

I. O abuso do direito é um instituto multifacetado. Encontramo-lo, hoje, no dia-a-dia dos nossos tribunais, para resolver questões deste tipo:

RLx 22-Jan.-2004: o senhorio não faz as devidas obras; autoriza o inquilino a fazê-las; este muda uma pequena estrutura, vindo o senhorio, com esse fundamento, mover um despejo; não pode: abuso do direito (2);

RLx 22-Abr.-2004: temos um trespasse anterior ao Decreto-Lei n.º 64-A/2000, nulo por falta de escritura pública; não pode ser invocada a sua nulidade, para evitar o pagamento de parte do preço, ainda em falta: abuso do direito(3);

STJ 30-Out.-2001: num contrato-promessa com um prazo de dois anos para a escritura, verifica-se que um dos promitentes deixa passar 15 anos sem pagar as prestações que lhe incumbiam; não pode vir requerer a execução específica: abuso do direito (4);

RLx 2-Mar.-2004: um condómino que não queira assinar a acta da assembleia não pode prevalecer-se da não-assinatura para impugnar as deliberações: abuso do direito (5);

RCb 27-Jan.-1998: não pode um inquilino exigir, ao senhorio, obras dispendiosas quando pague uma renda insignificante: abuso do direito (6).

No primeiro caso (despejo por obras autorizadas) decidiu-se contra o artigo 64.º/1, d), do RAU; no segundo (trespasse nulo por falta de forma), contra o artigo 220.º; no terceiro (execução específica após 15 anos de inércia), contra os artigos 830.º/1 e 809.º; no quarto (impugnação da deliberação por deficiência da acta), contra o artigo 1433.º/1; no quinto (pedido de obras com renda insignificante), contra os artigos 1031.º, b) e 12.º/1 e 13.º/1 do RAU. Em todos eles prevaleceu o artigo 334.º.

II. Os exemplos alinhados documentam, sucessivamente, cinco subinstitutos, ausentes dos nossos manuais até há bem pouco tempo: venire contra factum proprium, inalegabilidade formal, suppressio, tu quoque e desequilíbrio no exercício. Todos eles traduzem concretizações de uma ideia tradicional: a da proibição do abuso do direito. Finalmente: todos apelam ao adensamento de um princípio clássico: a boa fé.

III. O tema do abuso é actual: perfeitamente. Podemos ainda adiantar que se trata de uma área sensível, que todo o jurista prático deve acompanhar e aprofundar. Perante a nossa jurisprudência — os acórdãos relevantes contam-se por centenas, como abaixo melhor veremos — qualquer pretensão aparentemente apoiada em leis estritas pode ser desamparada, com base em abuso do direito.

E todavia, todas as decisões elencadas se apresentam como justas, adequadas e mesmo … previsíveis. A sua explicação última poderá ser complexa: mas será razoável e, sobretudo: inteiramente científica. Estamos, pois, diante de uma realidade que, mais do que revisitada: deve ser explorada.

[...]


Notas:

(*) O presente inédito destinar-se-á aos Estudos em Honra do Prof. Doutor António Castanheira Neves.

(1) Os artigos sem indicação de fonte pertencem ao Código Civil de 1966, a que também chamamos Código VAZ SERRA. As nossas obras Da boa fé no Direito civil (1985, 2.ª reimp., 2001) e Tratado de Direito civil português I/1, 3.a ed. (2005), I/2, 2.a ed. (2002), I/3 (2004) e I/4 (2005), são citadas apenas pelos títulos abreviados (Da boa fé e Tratado), sem quaisquer outras referências.

(2) RLx 22-Jan.-2004 (SALAZAR CASANOVA), CJ XXIX (2004) 1, 74-79 (77/II).

(3) RPt 22-Abr.-2004 (SALEIRO DE ABREU), CJ XXIX (2004) 2, 188-191 (190/II).

(4) STJ 30-Out.-2001 (PAIS DE SOUSA), CJ/Supremo IX (2001) 3, 102-104 (103/II).

(5) RLx 2-Mar.-2004 (ANDRÉ DOS SANTOS), CJ XXIX (2004) 2, 69-71 (70/II).

(6) RCb 27-Jan.-1998 (SOARES RAMOS), CJ XXIII (1998) 1, 16-18 = BMJ 473 (1998), 569 (o sumário).

[...]

Fonte: Site da Ordem dos Advogados (www.oa.pt)


O Artigo completo, com o desenvolvimento dos 21 pontos do SUMÁRIO, constitui um excelente auxiliar para o estudo da matéria em epígrafe (Do Abuso do Direito) e encontra-se disponível em ficheiro PDF (30 páginas) na Biblioteca Virtual Estudante na Página "2 ano de DIREITO" na pasta de Teoria Geral do Direito Civil.

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