Ditoso seja aquele que somente
Se queixa de amorosas esquivanças;
Pois por elas não perde as esperanças
De poder nalgum tempo ser contente.
Ditoso seja quem, estando ausente,
Não sente mais que a pena das lembranças;
Porque, inda que se tema de mudança,
Menos se teme a dor quando se sente.
Ditoso seja, enfim, qualquer estado,
Onde enganos, desprezos e isenção
Trazem o coração atormentado.
Mas triste quem se sente magoado
De erros em que não pode haver perdão,
Sem ficar na alma a mágoa de pecado.
In: Versos e alguma prosa de Luís de Camões, Edição da Fundação Calouste Gulbenkian, organizada e executada por Moraes Editores, 10 de Junho de 1977
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