Autonomia e Permissividade
A permissividade tem sido um dos erros fatais de muitos pais e educadores. Convencidos dos males do autoritarismo, desistiram de educar e perderam a autoridade. Com medo que ofender a dignidade dos filhos ou dos alunos, deixaram de exigir, cederam a todos os seus caprichos, permitiram muitas vezes que os educandos os humilhassem e abusassem. Não querendo submetê-los, deixaram-se submeter.
O resultado desta permissividade e desta gratificação constante não foi obviamente o aparecimento de jovens mais autónomos. Foi a proliferação de filhos mimados, de alunos psicopatas, de jovens que nunca foram confrontados com a autêntica autonomia dos pais ou professores e que, portanto, ainda julgam que o mundo gira à volta deles e que os outros são apenas instrumentos ao seu serviço. Tão dependentes estão dos outros para tudo que não podem sobreviver sem eles. Mas como os outros não contam, tão pouco podem ser amados. E como os outros não existem, também eles se sentem sem consistência. É a inevitável solidão do mimado que devora os outros sem nunca se satisfazer, porque, no fundo, nunca estabelece contacto nem relação.
Numa dessas cartas ao editor, tipo consultório psicológico, dum jornal diário, queixava-se uma senhora de idade do abandono a que se via votada por todos os seus filhos. Dizia: «fiz tudo por eles, fui a cozinheira de todas as refeições, a lavadeira de toda a roupa, a criada de toda a limpeza, Agora quase nunca me visitam», E acrescentava, deprimida: «e o que mais me custa é ver que a minha vizinha que nunca fez tanto pelos filhos, que trabalhava fora de casa e lhes mandava fazer recados à rua por tudo e por nada e que às vezes até lhes batia, essa recebe a visita dos filhos todos os dias e tratam-na como uma rainha».
Os filhos da senhora de idade não visitavam a mãe, provavelmente porque não se lembravam dela, porque, no fundo, ela não existia no seu campo de consciência. A mãe não se definiu autonomamente e, portanto, os filhos nunca se autonomizaram dela o suficiente para a reconhecerem como pessoa. Os filhos da vizinha separaram-se da mãe e portanto puderam relacionar-se com ela. Entre o autoritarismo que abafa e a permissividade que isola e esvazia, talvez prefira o primeiro. Talvez possa conduzir à rebeldia e, com a rebeldia, à existência.
Fonte: CUNHA, Pedro D'Orey da - Ética e Educação, Universidade Católica Editora, Lisboa, 1996, pp. 58-59
5 comentários:
Olá!!!
Estava ler este texto e a lembrar-me de uma conversa que tive com algumas amigas, ainda hoje, ao almoço, acerca deste problema da permissividade.
Hoje, a maioria os pais, que renuncia à educação dos filhos, nem se apercebe das pessoas que estão (ou, neste caso, não estão) a criar. E quem sofre com isso, nomeadamente, são os professores, que têm de ter verdadeiros nervos de aço, e muita imaginação, para encontrar maneira de controlar as pestinhas que lhes entram nas salas de aulas, todos os dias!!!
É por isso que o país está como está!!!
E o futuro, como será????
Olá Catarina!
Tens toda a razão, na tua observação. Estamos longe, muito longe de ver um fim ao problema da Educação em Portugal.
Não foi por acaso que ponderei longamente sobre a colocação deste artigo. Artigo que terá ainda mais dez Posts, correspondendo cada um a um Princípio através do qual o Autor apresenta soluções para o problema da educação como base na autonomia.
Decidi-me pela sua publicação, pois uma certeza eu tenho: muitos dos jovens estudantes de Direito de hoje irão debater-se seriamente com o problema da Educação num futuro próximo, seja na qualidade de pais, de educadores ou de juristas (estatutos estes que podem ser cumulativos).
Antevendo esse futuro que (infelizmente) é mais próximo do que pensais, deixo aqui mais uma pérola popular para reflexão de alguns (e risota de outros, como sempre acontece).
Trata-se de um velho rifão popular que diz «Filho és, pai serás, como fizeres assim acharás!».
Enquanto não se esbate definitivamente o sorriso nos vossos rostos, peço-vos que reflictam, por exemplo, sobre a última discussão que tiveram com os vossos pais ou os nomes com que simpaticamente apelidaram alguns professores do ano lectivo em curso...
... e daqui a uns anos conversamos!
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«E o futuro, como será????» Perguntas...
Depois de me ter dirigido ao público em geral, nos parágrafos anteriores, dirijo-me agora a ti, Catarina, e peço-te que tomes como referência o universo da FDUP para fazeres uma reflexão com base nas questões seguintes:
• Qual a percentagem de participação activa nas aulas (teóricas e/ou práticas?;
• Qual percentagem de participação nos blogues do universo bloguístico da FDUP?
• Qual o empenho intelectual dos jovens formandos na problematização do mundo que os rodeia?
• Qual a percentagem de egoísmo dos jovens estudantes?
• Qual a percentagem de individualização dos mesmos estudantes?
Hoje, nos minutos que antecederam a entrada na sala de aula da professora de Ciência Política e no intervalo da mesma aula ouvi, vindo da fila imediatamente atrás de mim, seguramente duzentos palavrões (dos mais feios do nosso calão) como se de um campeonato de palavrões se tratasse (rapazes e raparigas); na mesma aula vinte perguntas sem resposta iam levando a professora à loucura (se ela ouvisse o que eu ouvi só saía de lá de maca).
E falamos, recordo, de um universo de alunos bem formados, de médias de acesso ao ensino superior (recorde-se com orgulho) que variam entre o 163 e o 197 valores.
A Educação é um auto-controlo de impulsos só ao alcance do ser humano.
Selvagens? nascemos todos, e o mais fácil é mantê-lo; não exige aceitação de normas, fazemos o que os outros nos permitem: Heteronomia!
Educados? é preciso quer sê-lo; exige esforço e dedicação, dedicação ao próximo, fazemos o que agrada ao outro: Autonomia!
A hora tardia não me permite mais considerandos mas o tema não se esgota aqui! :)
Obrigado, mais uma vez, pela tua participação!
beijinho
OI!!!
(Mas que grande reflexão! :) )
A permissividade e as suas consequências adversas são, de facto, um fenómeno que chega a todo o lado, um problema que se edifica onde quer que duas pessoas se juntem.
Mas há que ser positivo; e eu acredito que cada um de nós, estudantes, dará o seu melhor para se tornar autónomo e responsável, cidadão participativo numa sociedade melhor. Há coisas que, acho eu, surgem com a idade (bem, do alto dos meus 18 anos, não tenho muita moral para falar, não é?!). Logo se verá...
Olá Catarina!
Permite-me discordar de ti na questão da moral para falar. É óbvio tens toda a legitimidade para falar. Deves fazê-lo, aliás, incansavelmente e sem parar, e instar todos os teus amigos para que o façam também sem qualquer pejo.
Algum dos nossos colegas de curso poderá ser, num futuro próximo, um Ministro da Educação; um Primeiro Ministro; um Professor; muitos serão pais e mães (maior desafio que um ser humano pode enfrentar) e é hoje que deve começar a preparar-se o presente de amanhã!
Para que vivamos Felizes e em Paz!...
P.S.: És, sem dúvida, um exemplo a seguir! É tão bom conversar contigo! :)
:)
(Vá lá,vá lá, menos elogios... Fico sem saber o que dizer!!! Para além de, é claro, agradecer.)
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