quarta-feira, 8 de outubro de 2008

Suum cuique tribuere!

Em jeito de preparação da aula de amanhã de História do Direito (Romano), peguei no manual do Prof. Sebastião Cruz e comecei a passar-lhe os olhos (à minha maneira, que não é igual à maneira de ninguém, tanto quanto sei) e sublinhei de imediato uma “lição” que me pareceu interessante: a importância do rigor na utilização das palavras (conceitos).

Logo no meu segundo texto neste blogue, por exemplo, dois alunos fizeram reparo na minha expressão «sou um positivista» quando, segundo eles (ao que eu lhes dei – e dou – razão) deveria ter escrito «sou uma pessoa positiva». (podem ler estas intervenções em Comentários do Post: A Minha Matrícula).

No caso particular do Direito Romano a dúvida suscitada prende-se com a tradução da terceira parte (ou preceito) da expressão honeste vivere, alterum non laedere, suum cuique tribuere”.

A propósito das várias espécies de normas – religiosas, morais, éticas, de educação, de diplomacia, de etiqueta, etc., etc., e também jurídicas – é-nos apresentado o porquê da supremacia das normas jurídicas sobre todas as outras. Não é contudo, sobre a matéria em si mesma que pretendo falar mas sim, como referi supra, da importância do rigor na aplicação das palavras (conceitos). O pequeno pormenor é que me chamou a atenção. Por vezes são pequenas pedras que travam uma engrenagem.

Segundo o Prof. Sebastião Cruz, esta expressão contem três preceitos essenciais à norma jurídica (são fundamento, são alicerce) – tria praecepta iuris – sob pena dessa mesma norma cair (por não ter alicerce), morrer (por não ter alma) se qualquer disposição atraiçoar algum desses preceitos.

PRIMEIRO preceito, «viver honestamente» (honeste vivere), isto é, não abusar dos seus poderes;

SEGUNDO preceito, não prejudicar ninguém (alterum non laedere);

TERCEIRO preceito, atribuir (ou só dar ou só entregar ou dar e entregar) a cada um o que é seu (suum cuique tribuere).

Ora, é no terceiro preceito que, segundo o autor, reside o “erro grave (que) resulta da corrupção de dar, significando quer «dar ou entregar» quer «dar e entregar»;” já que «traduzir “suum cuique tribuere” por “dar a cada um o que é seu” significa traduzir apenas uma parte do conteúdo de “tribuere” e, consequentemente, não admitir a existência de “obrigações de entregar”.» O autor vais mais longe afirmando, contundentemente, que se um jurista traduzisse «conscientemente “suum cuique tribuere” por “dar a cada um o que é seu”, em boa lógica estaria a defender o erro grave, O ABSURDO, da não admissibilidade de “obrigações de entregar”.»

Como se pode ver, estes pequenos pormenores dão panos para mangas.

Talvez fosse para obviar a confusões deste jaez, que o meu avô utilizava a velhinha e sempiterna máxima:

«O SEU A SEU DONO»


Fonte: CRUZ, Sebastião – Direito Romano (Ius Romanum), Tomo I, Coimbra Editora.

NOTA BENE: Ver nota infra do texto Ubi societas, ibi jus! Convite à leitura (das fontes) e ao debate (das nossas ideias)!

4 comentários:

catarina disse...

Olá colega!

Tenho acompanhado, sempre que posso, a evolução deste blog e, sinceramente, tudo o que tenho a dizer é: PARABÉNS!!!

Parabéns, em primeiro lugar, pela coragem de ingressar no curso de Direito na condição de trabalhador-estudante; admiro verdadeiramente todos aqueles que o fazem, acredito que seja um verdadeiro desafio!

Parabéns, também, pelo fantástico blog que aqui se apresenta - um espaço onde, por uns momentos, podemos olhar a nossa experiência universitária na sua vertente mais interessante (o prazer de aprender), sem pensar nos assombrosos exames e na montanha de livros que temos para ler até lá...

Por fim, quero felicitá-lo pela disponibilidade de, num cantinho on-line, dar espaço às palavras. Escrever, devo confessar, é uma actividade sempre gratificante para mim; por isso, fico muito feliz cada vez que encontro alguém que, como eu, prefere deixar as suas memórias gravadas em meia dúzia de linhas, e não somente num filme ou numa música de um artista qualquer!

Boas aulas!!!

Sofia Helena Matos disse...

Atribuir a cada um o que lhe pertence...
Mais uma noção imprescindível, não só para resto da vida académica (como estudantes de direito), mas igualmente viável para a escola da vida.
Uma das principais razoes porque me tenho vindo a surpreender com a entrada para este curso, é o facto de vivermos uma aprendizagem sistemática de conteúdos que sao válidos no nosso dia-a-dia, e não 'ficam na gaveta'. Isto sim é indispensável para o nosso crescimento nao só profissional, mas equitativamente pessoal, ético, e moral.
Façam de mim uma boa profissional e na mesma proporção, uma boa pessoa.

Obrigada pela iniciativa, e aqui esta o meu prometido comentário a tao brioza acção colega.

Luís Paulo (Estudante de Direito) disse...

Olá Sofia!

Não é muito normal deixar os participantes tanto tempo sem resposta, infelizmente ainda não se inventou uma forma de viver as 24 horas do dia sem dormir ou aumentar umas horas extra ao dia que já temos. Ainda mais sendo tu minha colega de turma.

Apesar de já termos conversado hoje, dessas palavra não há registo daí que a minha resposta escrita.

Quero dizer-te que comungo totalmente das tuas palavras: escolhemos o melhor curso, aquele que pode melhorar a nossa qualidade de vida – intelectual, social, familiar e outras – ao mesmo tempo que nos faculta os instrumentos necessários para ajudar a tornar a sociedade que vivemos numa sociedade mais justa (Utopia?! - Não creio!).

Este é, quanto a mim, um curso charneira na área das Ciências Sociais e Humanas. O que torna de certo modo as coisas mais fáceis, ou pelo menos atenua ou amortece a dureza do estudo em si mesmo. É que, neste curso, não existem matérias aborrecidas, cada cadeira aborda, inevitavelmente, assuntos que nos permitem, como tu disseste e muito bem, «vivermos uma aprendizagem sistemática de conteúdos que sao válidos no nosso dia-a-dia, e não 'ficam na gaveta'. Isto sim é indispensável para o nosso crescimento nao só profissional, mas equitativamente pessoal, ético, e moral.»

Espero contar contigo mais vezes, não só a comentar os meus textos, mas também a colocar textos, ideias ou simples reflexões de tua própria autoria.
Conto contigo!

Um beijinho e até amanhã!

Luís Paulo (Estudante de Direito) disse...

Olá kikas!

Bom, a kikas eu não conheço (ainda) mas devo dizer-te que me embeveceram as tuas palavras!

No teu caso confesso que não dei resposta imediata devido a um arroubo espontâneo de vaidade. Pensei: vou deixar este comentário assim, sem resposta, durante o tempo necessário para que seja bem lido, bem apreciado, sem interferências. Conseguiste realmente envaidecer-me (coisa que não é fácil de fazer).

Em poucas palavras deu para ver que temos muito em comum. Por isso fiquei curioso de te conhecer. Como não sei nada sobre ti desafio-te a tomares essa iniciativa – se te interessar, como é óbvio. Para tal basta espreitares o meu horário e aguardar-me à saída de uma aula (não é difícil identificar-me – é como procurares um pêssego numa cerejeira).

O mesmo que disse à Sofia digo a ti: se pretenderes colaborar (para além dos comentários aos meus textos) é só dizer.

Um beijinho

P.S.: Se quiseres ler outros trabalhos meus visita o meu outro blogue: http://eclectissimo.wordpress.com