O primado do direito comunitário
Este princípio impõe às autoridades dos Estados‑Membros que não apliquem normas nacionais contrárias ao direito comunitário. Estabelecido pelo Tribunal de Justiça nos anos 1960, requer que as autoridades façam prevalecer o direito comunitário sobre o direito nacional, qualquer que seja a natureza da norma comunitária em apreço e a do direito nacional em questão (em especial, as constituições nacionais estão sujeitas ao princípio do primado). |
Segundo o princípio do primado, o direito comunitário tem um valor superior ao do direito dos Estados‑Membros. Se uma norma nacional for contrária a uma disposição comunitária, é a disposição comunitária que se aplica.
Historial e teor do princípio
O princípio do primado é um princípio que não está consignado nos Tratados CE e UE. Foi estabelecido pelo Tribunal de Justiça no acórdão de 15 de Julho de 1964, Flaminio Costa contra Ente Nationale per l'Energia Elettrica (Costa contra Enel). Neste acórdão, o Tribunal de Justiça declarou: «Diversamente dos tratados internacionais ordinários, o Tratado CEE institui uma ordem jurídica própria que é integrada no sistema jurídico dos Estados‑Membros a partir da entrada em vigor do Tratado e que se impõe aos seus órgãos jurisdicionais nacionais». Invocando os termos e o espírito do Tratado, o Tribunal considera que o efeito do primado do direito comunitário limita a margem de manobra dos Estados, impedindo‑os de produzir legislação que entre em contradição com a das instituições europeias. Os Estados‑Membros também não podem apoiar‑se num direito nacional existente anterior à adopção de um texto comunitário, em caso de contradição entre um e o outro.
Os Estados‑Membros não podem, além disso, invocar a regra da reciprocidade por força da qual um deles pode eximir‑se às suas obrigações comunitárias enquanto os outros as não tiverem cumprido. Por outras palavras, os Estados‑Membros devem respeitar a conformidade com o direito comunitário na medida em que este tem força vinculativa. No acórdão Costa, o Tribunal de Justiça precisa, a este propósito, que o princípio do primado tem «por corolário a impossibilidade, para os Estados, de fazerem prevalecer, sobre uma ordem jurídica por eles aceite numa base de reciprocidade, uma medida unilateral».
Alcance do princípio
O Tribunal de Justiça explicitou que o princípio do primado incide sobre todas as normas de direito comunitário, sejam elas de direito primário ou de direito derivado.
Por outro lado, prevalece sobre todas as normas nacionais: lei, regulamento, portaria, despacho, circular, etc., independentemente de se tratar de diplomas emitidos pelo poder executivo ou legislativo dos Estados‑Membros. O poder judicial está igualmente sujeito ao princípio do primado. Na verdade, o direito que produz, a jurisprudência, deve respeitar o da União.
Quanto às constituições nacionais, o Tribunal de Justiça considerou que elas estão também sujeitas ao princípio do primado. Desde o Despacho San Michele, de 22 de Junho de 1965, considerou que compete ao juiz nacional não aplicar as disposições de uma constituição que ponham em causa o direito comunitário.
A questão da aplicação do princípio do primado às constituições nacionais provocou algumas reticências por parte de certos órgãos jurisdicionais nacionais, em especial nos casos em que a constituição assegurava a protecção dos direitos fundamentais. Mau grado as referidas reticências, num acórdão de 17 de Dezembro de 1970, o Tribunal de Justiça declarou que a invocação de violações a esses direitos não podia afectar a validade de um acto comunitário. A fim de evitar que os órgãos jurisdicionais nacionais pudessem deparar‑se com situações de dissonância em relação às respectivas constituições nacionais e, consequentemente, recusar a protecção dos direitos em questão, o Tribunal de Justiça, paralelamente à obrigação de respeito pelo princípio do primado, instituiu um conjunto de princípios gerais de direito que englobam os direitos fundamentais na esfera do direito comunitário.
Responsáveis pelo cumprimento do princípio
A exemplo do princípio do efeito directo, o Tribunal de Justiça exerce o controlo da boa aplicação do princípio do primado. Pune os Estados‑Membros que não o respeitam através das suas decisões decorrentes dos fundamentos das diferentes acções judiciais previstas pelo Tratado CE, designadamente as acções por incumprimento.
Compete também aos juízes nacionais fazer respeitar o princípio do primado. Estes podem, se necessário, recorrer ao pedido de decisão prejudicial em caso de dúvida sobre a aplicação do princípio. Num acórdão de 19 de Junho de 1990 (Factortame), o Tribunal de Justiça declarou que um órgão jurisdicional nacional, no âmbito de uma questão prejudicial sobre a validade de uma norma nacional, deve suspender de imediato a aplicação da referida norma, na pendência da solução preconizada pelo Tribunal de Justiça, bem como da sentença que o órgão jurisdicional proferir sobre a questão quanto ao mérito.
O efeito será a não‑aplicação do direito nacional. Este último não é, pois, nem anulado nem revogado, mas a sua força vinculativa fica suspensa. As autoridades nacionais devem abster‑se de o aplicar sob pena de uma condenação do Estado‑Membro em causa pelo Tribunal de Justiça, com fundamento numa acção por incumprimento.
Texto retirado de: http://europa.eu/
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