quarta-feira, 11 de novembro de 2009

O efeito directo do direito comunitário


O efeito directo do direito comunitário

O efeito directo (ou aplicabilidade directa) constitui, juntamente com o princípio do primado, um dos princípios de base do direito comunitário. Decorrente do acórdão Van Gend en Loos, proferido pelo Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, este princípio cria direitos para os particulares, que podem dele valer-se perante os órgãos jurisdicionais nacionais e comunitários.

Na verdade, favorece a penetração do direito comunitário no direito nacional, reforçando a sua eficácia. Além disso, salvaguarda os direitos dos particulares, permitindo-lhes invocar uma norma comunitária, independentemente da existência de textos de origem nacional.


O efeito directo é um princípio de base do direito comunitário.

Os particulares estão sujeitos a obrigações impostas pelo direito comunitário, mas têm também direitos que podem invocar perante os órgãos jurisdicionais nacionais e comunitários.

O efeito directo permite-lhes invocar normas comunitárias sem depender de textos nacionais que se destinem a concretizá-las. Este princípio reforça a eficácia do direito comunitário e a salvaguarda dos direitos dos particulares, permitindo-lhes fazer valer uma norma comunitária, independentemente da existência de textos de origem nacional.

O efeito directo é um princípio jurisprudencial estabelecido pelo Tribunal de Justiça no acórdão Van Gend en Loos de 5 de Fevereiro de 1963. Neste acórdão, o Tribunal afirma que «o direito comunitário […] tal como impõe obrigações aos particulares, também lhes atribui direitos que entram na sua esfera jurídica […] e atribui direitos individuais que os órgãos jurisdicionais nacionais devem tutelar».

Efeito directo e aplicabilidade imediata

O efeito directo distingue-se da aplicabilidade imediata. A aplicabilidade imediata é um princípio por força do qual o direito comunitário se aplica na ordem interna, sem que se torne necessário assegurar o seu reconhecimento ou a sua transposição para o direito nacional. O direito comunitário é, assim, integrado de pleno direito no direito nacional. Todavia, por força do princípio do primado, em caso de conflito entre a norma comunitária e a norma nacional, a primeira prevalece. Daí que seja «inaplicável de pleno direito […] qualquer norma de direito interno que seja contrária» (acórdão de 9 de Março de 1978, Simmenthal).

Em princípio, o efeito directo e a aplicabilidade imediata são concomitantes. É o que se verifica com os regulamentos comunitários. No entanto, há certas normas que podem ser de efeito directo sem serem de aplicabilidade imediata. É o caso das directivas, que são de efeito directo (em determinadas condições), mas não são de aplicabilidade imediata (visto requererem um texto de transposição).

Efeito directo horizontal e vertical

O efeito directo assume dois aspectos: um efeito vertical e um efeito horizontal. O efeito directo vertical exerce-se nas relações entre os particulares e o Estado, o que significa que os particulares podem invocar uma norma comunitária em relação ao Estado.

O efeito directo horizontal exerce-se nas relações entre os particulares, o que significa que um particular pode invocar uma norma comunitária em relação a outro particular.

Segundo as normas de direito comunitário, o Tribunal de Justiça aceitou quer um efeito directo completo (isto é, um efeito directo horizontal e um efeito directo vertical) quer um efeito directo parcial (limitado ao efeito directo vertical).

Efeito directo e direito primário

No que diz respeito ao direito primário, ou seja, aos textos de base da ordem jurídica comunitária, o Tribunal de Justiça estabeleceu no acórdão Van Gend en Loos o princípio do efeito directo. Não obstante, indicou como condição que as obrigações devem ser precisas, claras, incondicionais e não devem requerer medidas complementares, de carácter nacional ou comunitário.

No acórdão Becker (acórdão de 19 de Janeiro de 1982), o Tribunal de Justiça rejeita o efeito directo quando os Estados possuam uma margem de manobra em relação à aplicação da disposição em causa (acórdão de 12 de Dezembro de 1990, Kaefer e Proccaci), por mais reduzida que possa ser essa margem.

O Tribunal de Justiça precisa, assim, que, no Tratado que institui a Comunidade Europeia (Tratado CE), são de efeito directo os artigos seguintes:

  • O artigo 12.º sobre a proibição da discriminação em razão da nacionalidade.

  • O artigo 25.º sobre a proibição dos direitos aduaneiros e dos encargos de efeito equivalente.

  • Os artigos 28.º e 29.º sobre a proibição das restrições quantitativas.

  • O artigo 39.º sobre a livre circulação dos trabalhadores.

  • O artigo 43.º sobre o direito de estabelecimento.

  • O artigo 50.º sobre a livre circulação dos serviços.

  • O artigo 81.º sobre a proibição de determinados acordos e o artigo 82.º sobre a proibição dos abusos de posição dominante.

  • O artigo 88.º sobre os auxílios estatais.

  • O artigo 95.º sobre a proibição das discriminações, a nível fiscal, dos produtos importados.

  • O artigo 141.º sobre a igualdade entre homens e mulheres.

O Tribunal considerou que certas disposições do Tratado eram de efeito directo completo (como os artigos 39.º, 43.º, 50.º e 81.º) e outras de efeito directo vertical (como os artigos 12.º e 95.º).

Efeito directo e direito derivado

O alcance do efeito directo do direito derivado é variável consoante o tipo de acto. No que diz respeito:

  • Aos regulamentos comunitários, o Tribunal de Justiça reconheceu o efeito directo completo (acórdão de 14 de Dezembro de 1971, Politi).

  • Às decisões individuais em que o Estado é o único destinatário, o Tribunal de Justiça aceitou unicamente o efeito directo vertical (acórdão de 10 de Novembro de 1972, Hansa Fleisch).

  • Às directivas, o Tribunal de Justiça reconheceu o efeito directo (acórdão de 6 de Outubro de 1970, Franz Grad) pelo motivo de que «o efeito útil […] seria grandemente atenuado se os particulares desse Estado se vissem impedidos de dele se valerem em juízo», muito embora tenha explicitado que o efeito directo era apenas de natureza vertical (acórdão de 26 de Fevereiro de 1986, Marshall) e, por outro lado, que só é válido a partir da expiração do prazo de transposição (acórdão de 5 de Abril de 1979, Ratti); finalmente, as directivas devem respeitar as condições estabelecidas no acórdão Van Gend en Loos para serem declaradas de efeito directo (acórdão de 4 de Dezembro de 1974, Van Duyn).

  • Ao direito convencional, especialmente ao resultante dos compromissos internacionais da Comunidade, o Tribunal de Justiça aceitou aplicar os critérios decorrentes do acórdão Van Gend en Loos (acórdão de 30 de Setembro de 1987, Demirel), lembrando esta jurisprudência num acórdão de 15 de Julho de 2004 (Syndicat professionnel coordination de l'étang de Berre).

  • Aos instrumentos do terceiro pilar, o Tratado da União Europeia (Tratado UE) é explícito: as decisões-quadro e as decisões são desprovidas de efeito directo.

Texto retirado de: http://europa.eu/

Textos Relacionados:

3 comentários:

Manuel Marques Pinto de Rezende disse...

a conversa dos pilares, agora, está um pouco desactualizada...
mas está um óptimo resumo =)

Luís Paulo disse...

É verdade, Manuel, o Tratado de Lisboa vai obrigar à reformulação de muitos conceitos.

Mas como o Tratado de Lisboa é uma evolução e não uma inovação, será necessário ter sempre presente os antecedentes para melhor compreender o processo evolutivo.

Quanto a estes textos que vou deixando espaçados pelo blogue, no meio de outros de menor importância, entende-os como referências, pontos de orientação (para mim, claro).

Como exemplo, convido-te a acompanhares-me nesta "viagem":

Imagina que nos enviavam para uma floresta, densa e interminável (do tipo da Amazónia), com a finalidade de explorarmos o emaranhado de espécies vegetais e animais ali existentes. Para não nos perdermos, seria uma boa ideia e uma preciosa ajuda erguermos altos pontos de referência para onde pudéssemos olhar sempre que nos sentíssemos desorientados. E ao fim de algum tempo já nem necessitávamos de olhar para eles, porque já sabíamos perfeitamente qual a sua localização, ou seja, se os não víamos à nossa frente, logicamente estavam nas nossas costas. Mesmo não os vendo (porque estão nas nossas costas) a sua existência continua a ter importância e a exercer um efeito poderoso no nosso subconsciente, orientando-nos. Já se os não tivéssemos lá colocado mais difícil se tornava termos a mesma percepção do local onde supostamente deveriam estar. Numa palavra, perdíamo-nos ou desorientávamo-nos com muito mais facilidade. E cansávamo-nos muito mais porque acabaríamos por andar aos círculos.

É assim que nesta floresta de vez em quando vou firmando os meus pontos de referência.

Claro que erguer os pontos e ficarmos agarrados a eles não nos serviria de nada. Mesmo que nos desse para trepar ao seu cume e de lá contemplar a floresta não nos daria dela a mínima noção da realidade. Só veríamos copas de árvores e macacos a saltar de galho em galho.

Agora para terminar convidava-te para um copinho de jeropiga e duas castanhinhas assadas, mas já é um pouco tarde e até eu começo a ficar cansado. Já é hábito a noite de S. Martinho acabar assim, a viajar por terras imaginárias :)

Luís Paulo disse...

Mais uma coisa, Manuel, não sei se foste à última aula teórica de Direito Comunitário, mas este texto contém pistas para os trabalhos a desenvolver nas aulas práticas da próxima semana, nomeadamente, acórdãos do TJCE:

• Costa/ENEL (Proc. 6/64);
• Van Gend en Loos (Proc. 26/62);
• Simmenthal (Proc. 106/77);
• Van Duyn (Proc. 41/74);
• Factortame (Proc. C-213/89) e
• Pupino (Proc. C-105/03).

Abraço!